Meio Ambiente e Ação Civil Pública

dez 18, 2014 | Ação Civil Pública

O ambiente é valor importante. Tão importante que mereceu proteção constitucional, e o Direito Ambiental ganhou status de Direito de terceira geração.

De uma forma geral, a crise ambiental pode ser imputada a dois fatores: um natural, global, que é o crescimento da população e outro institucional, relacionado à gestão do uso dos recursos naturais, que pode ser analisado a partir das condições brasileiras.

A população do planeta ultrapassou sete bilhões de pessoas, que demandam alimentos, energia e uso dos recursos naturais. E geram resíduos proporcionais a essa demanda.

Ao lado desse número grandioso, há a má distribuição de renda e de condições de vida.

Sob o ponto de vista institucional, especialmente no Brasil, a desordem ambiental pode ser atribuída a três fatores: ineficiência administrativa, irresponsabilidade orçamentária e leviandade política.

O resultado disso aparece todos os dias: índices de saneamento básico ridículos; desmatamentos gerados por assentados pelo INCRA deixados à míngua; órgãos ambientais desestruturados; legislação ambiental (em todos os níveis) malfeita ou desatualizada; o Poder Público é o primeiro a transformar nossos cursos d’água em esgotos e o solo em lixões. Na Amazônia, prefeitos escolhem pontas de Igarapés para formar seus lixões, esperando que a próxima cheia leve a sujeira e deixe a área pronta para receber mais lixo.

Por isso, numa escala de degradação, encontram-se: em primeiro lugar, em seara institucional, o Poder Público, com sua ineficiência e falta de planejamento; quanto aos impactos diretos, a falta de saneamento básico, mais perversa por atingir as populações mais carentes e, em seguida, os impactos dos assentamentos rurais e urbanos não planejados.

Como Direito de terceira geração, o Direito Ambiental trouxe paradigmas novos: (i) o Princípio da boa-fé ambiental e (ii) obrigações ambientais também para o Poder Público.

Princípio da boa-fé ambiental. Por esse Princípio, ninguém usará o nome do meio ambiente em vão ou com fins escusos; ONGs não serão criadas com suposto objetivo ambiental para proveito de seus fundadores ou diretores, ou para venda de serviços; o Poder Executivo, efetivamente, dará aos órgãos ambientais a estrutura adequada ao exercício de suas relevantes funções; nenhum político usará o mote ambiental com fins eleitoreiros.

Por isso, nota-se crescente número de julgados equilibrados. Alguns exemplos:

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu que há necessidade de examinar com rigor o processo antes de conceder liminar em Ação Civil Pública (Agravo de Instrumento 1.0710.11.000356-7/001):[1]

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – EXPANSÃO DE ÁREA DE MINERAÇÃO DE ZINCO – LICENÇA PRÉVIA EXPEDIDA – CONDICIONANTES – PEDIDO DE LIMINAR DEFERIDO – ABSTENÇÃO DE CONTINUIDADE DO LICENCIAMENTO – ALEGADO IMPACTO AMBIENTAL – REALIZAÇÃO DE ESTUDOS AMBIENTAIS – CUMPRIMENTO DE CONDICIONANTES E FORMALIZAÇÃO DO PEDIDO DE LICENÇA DE INSTALAÇÃO – POSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO EM PARTE.

A concessão e liminar em ação civil pública demanda a presença dos requisitos consistentes no fumus boni iuris e periculum in mora, de modo que, se dos documentos trazidos aos autos não restaram comprovados os vícios e irregularidades na concessão da Licença Prévia alegados pelo Ministério Público na inicial, deve ser dado provimento parcial ao recurso, a fim de que seja permitida à agravante, além da realização de estudos ambientais, que dê cumprimento às condicionantes previstas na licença prévia, bem como formalize o pedido de licença de instalação, sem que isso implique, contudo, a execução efetiva do projeto.

Consta do voto do Relator:

Acreditando que, de fato, as condicionantes impostas à agravante por ocasião da concessão da Licença Prévia para o empreendimento são “destinadas a garantir que os impactos negativos a serem gerados pelo empreendimento sejam efetivamente mitigados e/ou compensados, sempre com o objetivo maior de dar efetividade ao Princípio do Desenvolvimento Sustentável” e que a maioria das condicionantes previstas na Licença Prévia deverá ser atendida antes mesmo da expedição da Licença de Instalação do “Projeto Extremo Norte”, que é o documento que permitirá o início efetivo das obras de implantação do empreendimento, torna-se menos evidente o risco de dano iminente em decorrência da expedição da Licença Prévia.

Permissa venia, parece-me que tal conclusão preliminar não impede que a viabilidade locacional do empreendimento continue a ser objeto de exigência imposta à agravante, e não representa, à primeira vista, ameaça a danos sérios ou irreversíveis ao meio ambiente, mormente porque a decisão administrativa orienta-se por embasados estudos interdisciplinares, que oferecem respaldo científico que, até segunda ordem, estão a demonstrar que o empreendimento ‘apresenta viabilidade econômica e se justifica’ (fl. 99 – TJ). Além disso, o próprio Estado de Minas Gerais, em sua manifestação de fls. 2036/2052, em que pugna pelo provimento do recurso da Votorantim, afirma que “o procedimento de licenciamento ambiental do empreendimento não acarreta nenhum risco de dano ao meio ambiente, pois, com a requisição dos estudos e documentos necessários, foi possível averiguar a viabilidade ambiental do empreendimento. Além disso, foram previstas condicionantes que asseguram o controle e a minimização dos impactos ambientais previstos para a atividade.

Outrossim, no curso do procedimento administrativo, sempre haverá espaço e oportunidade para a produção de novos estudos e trabalhos visando à adequada proteção do meio ambiente e do patrimônio cultural, até mesmo recuperação de passivos ambientais deixados pela antiga mineradora, sem a necessidade de interrupções motivadas por zelo excessivo e que possam onerar injustamente a agravante, que diz ter mobilizado enorme contingente humano e recursos materiais para atender a tempo e modo a todas as condicionantes impostas pela UCR Noroeste do COPAM.

Por fim, não restando comprovado que o procedimento administrativo padece de vícios ou irregularidades a impedir a busca por implemento, desde já, das condicionantes da Licença, entendo que há motivos suficientes para se acreditar na “efetiva capacidade do empreendedor de propor medidas mitigadoras e compensatórias que sejam adequadas e eficazes”, de que os impactos positivos’ suplantem os ‘impactos negativos’.

Em outro acórdão (Agravo de Instrumento (Câmaras Cíveis Isoladas) nº 1.0103.04.910502-8/001) o TJMG decidiu:[2]

 

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INIBITÓRIA QUE DETERMINAVA A SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES DE MINERAÇÃO, INCLUSIVE DETERMINANDO AO PODER PÚBLICO QUE SE ABSTENHA DE PROCEDER AO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DA EMPRESA. INADMISSIBILIDADE. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.

Consta do voto do Relator:

Por isto, não se pode prescindir do controle da legalidade do ato de autorização, por meio de concessão dos competentes alvarás e licenças, a serem expedidos pelos órgãos públicos próprios e competentes, em obediência às normas de regência, não se admitindo que, apenas porque a FEAM adotou, em princípio, entendimento contrário ao do ilustre representante do Ministério Público, venha-se a presumir que aquele ente esteja “sobrepondo interesses particulares aos coletivos”, como salientado na inicial e em contraminuta. (…)

O sempre citado HELY LOPES MEIRELLES, em sua consagrada obra “Direito Administrativo Brasileiro” assim posicionou-se sobre o tema:

De um modo geral, as concentrações populacionais, as indústrias, o comércio, os veículos motorizados e até a agricultura e a pecuária, produzem alterações no meio ambiente. Essas alterações, quando normais e toleráveis, não merecem contenção e repressão, só exigindo combate quando se tornam intoleráveis e prejudiciais à comunidade caracterizando poluição reprimível. Para tanto, há necessidade de prévia fixação técnica e legal dos índices de tolerabilidade e de cada ambiente, para cada atividade poluidora, não se compreendendo nem se legitimando as formas drásticas de interdição de indústrias e atividades lícitas por critérios pessoais da autoridade, sob o impacto de campanhas emocionais que se desenvolvem em clima de verdadeira psicose coletiva de combate à poluição.” (“in” ob. cit., 18ª ed., p. 492) (os grifos não constam do original).

O TJSP, em interessante acórdão (Apelação com revisão nº 9200953-27.2000.8.26.0000, 8ª Câmara Cível), se posicionou em favor do equilíbrio e reconheceu expressamente a importância das atividades produtivas. Consta do voto do Relator:[3]

Como observado pelo ilustre Promotor de Justiça:

Inúmeras foram as tentativas de realização do acordo com a participação dos recorrentes as quais, porém, restaram frustradas, pois o interesse deles parece ser o fechamento das empresas mineradoras, olvidando-se que o objeto da presente ação é a preservação do meio ambiente e não a proibição de atividades inevitáveis à sociedade ou eventuais interesses pessoais. Assim agindo, em verdade, os recorrentes divorciaram-se do interesse público, na medida em que o que se busca é o equilíbrio entre a exploração dos recursos naturais e a preservação ambiental (fl. 1.317).

 

Irreprochável a r. decisão monocrática ao destacar que:

[…] Frise-se ainda que a cessação da atividade de extração de areia se mostra inviável porque no estágio de nossa cultura é necessário se estabelecer um equilíbrio (sempre custoso) entre o desenvolvimento sustentado e a preservação ambiental.

É verdade que o ideal fosse a intocabilidade dos recursos naturais pela (sic) mãos humanas. Mas, isso não é possível, pois o crescimento vertiginoso da população, bem como a expansão das atividades econômicas, exigem a construção de moradias, fábricas e inúmeras outras obras de infraestrutura que demandam o consumo do material explorado pelos requeridos.

O importante é garantir o desenvolvimento equilibrado e sustentado, o que foi garantido pelo EIA/RIMA e PRAD que foram inclusive objeto da transação. (fls. 1.197/1.199).

 

São os novos tempos, quando o Princípio da Legalidade, eficiência e boa-fé ambiental prevalecerão, mas obrigando também o Poder Público.

 

[1] BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Acórdão. Agravo De Instrumento Cível Nº 1.0710.11.000356-7/001. Agravante: Votorantim Metais Zinco S/A – Agravado: Ministério Público Do Estado De Minas Gerais – Relator: Exmo. Sr. Des. Armando Freire. 25 de outubro de 2011. Disponível em:<www.tjmg.jus.br>, Belo Horizonte, MG. Fev. 2014. Outro número: 0250217-46.2011.8.13.0000.

[2] BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Acórdão. Agravo Nº 1.0103.04.910502-8/001. Agravante: FEAM – Fundação Estadual Do Meio Ambiente. – Agravado: Ministério Público Do Estado De Minas Gerais. – Exmo. Sr. Des. Brandão Teixeira. 07 de junho de 2005. Disponível em:<www.tjmg.jus.br>, Belo Horizonte, MG. Fev. 2014. Outro número: 9105028-07.2004.8.13.0103.

[3] BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Acórdão. Apelação Cível Nº 9200953-27.2000.8.26.0000. Outro Nº: 163.671.5/0. Apelantes: MAPA – Movimento Ambientalista Pró Araçariguama e Outra. – Apelados: Extração De Areia e Transportes Araçariguama LTDA. e Outros – Relator: Exmo. Sr. Des. Celso Bonilha. 25 de abril de 2001. Disponível em:< http://www.tjsp.jus.br> Pesquisa de Jurisprudência, São Paulo, SP. Fev. 2014.