Considerações sobre o conceito de lavra ambiciosa

maio 12, 2017 | Artigos Gerais

William Freire[1]

 

Palavras-chave: Direito Minerário. Legislação mineral. Mining Law. Mineral Law. Derecho Minero. Derecho de Mineria.

 

O artigo 48 do Código de Mineração denomina ambiciosa a lavra conduzida sem observância do plano preestabelecido ou aquela efetuada de modo a impossibilitar o ulterior aproveitamento econômico da mina.

A expressão “sem observância do plano preestabelecido” é bastante ampla e merece ser estudada.

O primeiro aspecto que deve ser anotado é que a adjetivação ambiciosa é inadequada. Basta consultar qualquer dicionário para constatar isto.

O segundo aspecto é que, diante da dinâmica da mina, a primeira interpretação que deve ser dada é acrescentar o conceito de significante. Não é qualquer alteração que caracteriza falta de observância do Plano de Aproveitamento Econômico — PAE, mas apenas aquela relevante o suficiente para exigir a atualização dele.

Muitos ajustes podem ser necessários, em decorrência da realidade da mina e dos desafios do dia a dia da lavra, que não demandam atualização do PAE.

De maneira geral, a inobservância do PAE dá-se, principalmente, de duas formas: (a) lavrar volume diferente, para mais ou para menos, e alterar o processo da lavra até o beneficiamento.

Pequenas alterações de volume de lavra, para menos ou para mais, não configuram alteração significante a ponto de caracterizar a infração administrativa. Da mesma forma, pequenas alterações na rota do processo também são naturais no dia a dia da mina.

Outros aspectos que também devem ser analisados são a extensão e os efeitos da palavra econômico incluída no enunciado. Bastaria ao legislador punir a impossibilidade de ulterior aproveitamento da jazida, sem necessidade de referência ao aspecto econômico.

Aliada a isso tudo está a realidade do Departamento Nacional de Produção Mineral — DNPM que, apesar de esforços individuais constantes, mas diante da atual falta de estrutura, não dá conta de examinar em tempo adequado os pedidos de atualização dos PAEs nem os pedidos de suspensão da lavra. Portanto, o minerador fica em situação desconfortável, devido a circunstâncias para as quais não concorreu. Se toda pequena alteração do PAE tivesse que ser submetida ao DNPM, estaria instalado o caos administrativo.

Outro aspecto relevante é a coerência interpretativa que deve haver na análise do artigo 48 CM e o do artigo 55 da Lei 9.605/98. Ambos necessitam de complementação e de esclarecimento por outra lei em sentido formal e material, em razão de seus reflexos punitivos, ainda que em esferas diferentes.

Portanto, antes de acusar o minerador de infringir o artigo 48 do Código de Mineração, o artigo 55 (ou mesmo o artigo 60) da Lei 9.605/98, há necessidade de que aquele que faça tal declaração evite análise puramente burocrática, entenda a parte técnica da realidade da mina, entenda a realidade da tramitação dos processos no DNPM e tenha conhecimento consistente da hermenêutica e das regras de interpretação das normas jurídicas suas regras.

[1]  WILLIAM FREIRE é advogado formado pela UFMG. Professor de Direito Minerário em diversos cursos de pós-graduação. Autor de vários livros sobre Direito Minerário e Direito Ambiental, entre eles o Código de Mineração Anotado, o Comentários ao Código de Mineração, o Direito Ambiental Brasileiro, Fundamentals of Mining Law e o Gestão de Crises e Negociações Ambientais. Publicou mais de cem artigos e proferiu dezenas de palestras sobre Direito Minerário, inclusive no exterior. Árbitro da CAMARB, CAMINAS e Diretor do Departamento do Direito das Minas e Energia do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Fundador do IBDM — Instituto Brasileiro de Direito Minerário.