Por: William Freire[1] e Ana Maria Damasceno de Carvalho Faria[2]
De 2020 a setembro de 2024 houve 88 julgamentos pelos Tribunais Estaduais envolvendo questões de Direito Minerário, que podem ser considerados significativos. Não entram nessa conta as decisões que tratam de matéria exclusivamente ambiental ou tributária.
Desses relevantes, 11 foram julgados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, seguido por São Paulo (10) e Paraná (8).
Detalhe em relação a Minas Gerais: a pesquisa inicial relacionou nada menos que 585 processos em curso, discutindo questões tributárias, ambientais e os acidentes de Mariana e Brumadinho.
O único Tribunal não pesquisado foi o do Maranhão, em razão da indisponibilidade do seu site.
É impressionante como, passados 57 anos da vigência do Código de Mineração, ainda há pedidos dos benefícios do art.27 elaborados de forma incorreta. E, do mesmo modo, impressiona como os Tribunais ainda decidem erroneamente.
Alguns pontos chamam a atenção:
A importância dos laudos iniciais
A atividade mineral tem caráter urgente porque é de interesse nacional, para que possa gerar benefícios socioeconômicos o quanto antes, e porque existem prazos a serem cumpridos. Em razão disso, há entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que, preenchidos os requisitos do art.300 do CPC (Código de Processo Civil) e efetuado o depósito prévio, o minerador faz jus à tutela de urgência, o que independe de qualquer perícia judicial prévia.
Entretanto, ainda há procedimentos ajuizados sem apresentar o laudo de avaliação inicial. Houve situações em que nem a caução foi oferecida.
Em razão da importância do convencimento do Juízo, preferimos o procedimento pioneiro que adotamos há muito: se o minerador pleitear a antecipação de tutela de urgência, a inicial é instruída com dois laudos de avaliação, elaborados por profissionais com experiência inquestionável.
Os processos de desapropriação e de constituição das servidões administrativas também são instruídos por laudos unilaterais e aceitos sem ressalva pelos magistrados. E nem se poderia argumentar que estes teriam uma espécie de fé pública ou presunção de legitimidade. Em verdade são, na maioria absoluta das vezes, laudos terceirizados.
Não há razão, portanto, para rejeição do pedido de tutela de urgência ao fundamento da unilateralidade dos laudos apresentados com a petição inicial, sob pena de se inutilizar, por completo, o que dispõe o art.15 do Decreto-Lei nº 3.365/1941.
Ações mal ajuizadas têm consequência nefasta, porque geram precedentes negativos para o setor mineral. E, ao consultar esses precedentes, o Tribunal, geralmente, não se atenta para o detalhe ou a exceção que provocou o julgamento negativo.
Depósito integral: descabimento de pagamento da renda
Se o minerador realizar depósito integral equivalente ao valor venal do imóvel com suas benfeitorias, utilidades e, eventualmente, lucros cessantes, não caberá pagamento de renda, porque o proprietário do imóvel já terá sido indenizado no valor máximo do benefício econômico que sua propriedade pode gerar. Isso porque a renda tem natureza jurídica de lucros cessantes e não de arrendamento ou aluguel.
Descabimento de juros compensatórios, se houver pagamento da renda ou depósito integral do valor venal do imóvel
O art.27 do Código de Mineração faz referência ao pagamento da renda e também à caução, para cobrir eventuais prejuízos causados ao superficiário.
Nesse caso, como há preceito jurídico que trata diretamente da recomposição da renda do superficiário, não há lacuna normativa que possa fazer incidir o pagamento de juros compensatórios.
Os juros compensatórios e a renda de que trata o art.27 do Código de Mineração têm a mesma natureza jurídica, isto é, lucros cessantes. Trata-se da necessidade de reparar o proprietário pela perda da posse antecipadamente, e, como consequência, da possibilidade de usufruir da produtividade que este bem concretamente geraria, não fosse a afetação ao empreendimento de utilidade pública.
A Servidão Mineral é espécie do gênero Servidões Administrativas. A regra mais especial (Código de Mineração) deve prevalecer sobre a regra mais geral (DL 3.365/41).
[1] WILLIAM FREIRE. Advogado. Professor de Direito Minerário. Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Minerário – IBDM. Diretor e coordenador do Departamento do Direito da Mineração do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil – Camarb. Alguns livros e capítulos de livros publicados: Comentários ao Código de Mineração. (2ª ed. 1995). Revista de Direito Minerário (1997. Vol. I – coordenador). Direito Ambiental Brasileiro (1998). Revista de Direito Minerário (2000. Vol. II – coordenador). Recurso Especial e Extraordinário (2002 – coautor). Os recursos cíveis e seu processamento nos Tribunais (2003 – coautor). Direito Ambiental aplicado à Mineração. Belo Horizonte: (2005). Natureza Jurídica do Consentimento para Pesquisa Mineral, do Consentimento para Lavra e do Manifesto de Mina no Direito brasileiro (2005). Código de Mineração em Inglês (2008 – cotradutor). Dicionário de Direito Minerário. Inglês – Português. (2ª ed. 2008 – coautor). Gestão de Crises e Negociações Ambientais (2009). Dicionário de Direito Ambiental e Vocabulário técnico de Meio Ambiente. (2ª ed. 2009 – coordenador). Mineração, Energia e Ambiente (2010 – coordenador). Fundamentals of Mining Law (2010). Código de Mineração Anotado e Legislação complementar em vigor. (5ª ed. 2010). Aspectos controvertidos do Direito Minerário e Ambiental (2013 – cocoordenador). The Mining Law Review. (6a. ed.). Capítulo do Brasil. London: The Mining Law Reviews (2017). Direito da Mineração. Cocoordenador (2017). Capítulo: Avaliação judicial de rendas e danos para pesquisa mineral. Riscos Jurídicos na Mineração. Manual (2019). O mínimo que todo empresário necessita saber sobre Direito Penal. Manual (2019 – coautor). International Comparative Legal Guides. Mining Law 2020: A practical cross-border insight into Mining Law. (7ª ed.). London: Global Legal Group Limited (2020), capítulo Brasil, e Direito Minerário: Acesso a imóvel de terceiro para pesquisa e lavra. (2ª ed. 2020). Direito da Mineração (Instituto dos Advogados de Minas Gerais, 2ª ed. 2023 – organizador).
[2] Doutoranda em Direito pela UFMG; Mestra em Direito pela UFOP; Graduada em Direito pela UFMG; Pós-graduada em Direito Público pela PUC-MINAS; Especialista em Direito Minerário pelo CEDIN; Professora Universitária; Advogada e Diretora Administrativa do Instituto Brasileiro de Direito Minerário – IBDM. Membro do Comitê Jurídico e de Compliance do WIM Brasil. Sócia das áreas de Resolução de Disputas e Assuntos Fundiários no William Freire Advogados Associados. E-mail: ana@williamfreire.com.br