Sugestões enviadas à Câmara dos Deputados para o aperfeiçoamento do projeto de lei 5.807/2013.

out 24, 2014 | Marco Regulatório da Mineração

Exmo Deputado Federal

Dr. Leonardo Quintão

Câmara dos Deputados

BRASÍLIA/DF

Assunto:        Projeto de Lei 5.807/2013. Marco Regulatório da Mineração.

Sugestões para o aperfeiçoamento do Projeto de Lei.

Exmo. Deputado Federal.

 

Visando contribuir para o aperfeiçoamento do Projeto de Lei 5.807/2013, o Instituto dos Advogados de Minas Gerais, através de seu Departamento de Direito das Minas e Energia, oferece a V. Exa. as seguintes sugestões:

  1. Qualidades desejáveis para o Marco Regulatório da Mineração

A atividade mineral possui várias características específicas, que impõem ao Legislador especial cuidado na elaboração das Leis. Dentre elas, trata-se de uma atividade que demanda vultosos investimentos com longo prazo de maturação.

Isso significa que a decisão de investir hoje somente proporcionará retorno (se ocorrer em razão do risco da atividade) após 15 anos aproximadamente.

Por isso, é importante definir qual é o momento em que nasce a relação jurídica União-Minerador, cujo núcleo deve ser respeitado durante toda essa convivência jurídica.

Mas é importante não confundir o risco do resultado da pesquisa com insegurança jurídica ou insegurança institucional. São situações completamente distintas.

Por isso, o Marco Regulatório da Mineração deverá:

a)      Estar de acordo com o regime constitucional do país, não flexibilizando os direitos e garantias da União;

b)      Garantir estabilidade a essa relação, visto que trata-se de relação jurídica de longo prazo e o retorno esperado somente ocorrerá depois de uma ou duas décadas do Requerimento de Pesquisa;

c)       Ser claro, com conceitos precisos, sem lacunas;

d)      Em razão dessa necessidade de estabilidade de longo prazo, deve dar todas as diretrizes para que o minerador possa (i) decidir se deseja investir no país, (ii) planejar sua atividade, (iii) decidir sobre novos investimentos e (iv) a reaplicação dos seus resultados financeiros, deixando pouca margem de discricionariedade para regulamentação infralegal;

e)      Deve proporcionar segurança jurídica para o minerador, no sentido de que pode confiar no país que aceitou seu dinheiro agora, e que garantirá o retorno dos seus investimentos no futuro;

f)       A transição do regime antigo para o novo deve ocorrer sem rupturas ou traumas para o setor.

 

  1. O que já existe de normatização e independe do PL

núcleo jurídico estrutural do Regime Jurídico da mineração brasileira está bem delineado a partir do artigo 176 da Constituição Federal e em algumas leis:

(i)                  A mineração deve ser exercida no interesse nacional;

(ii)                As jazidas e demais recursos minerais pertencem à União;

(iii)               A propriedade imobiliária da superfície não compreende o domínio das riquezas minerais contidas em seu subsolo, mesmo que afloradas;

(iv)               A competência legislativa sobre mineração e geologia é privativa da União;

(v)                O exercício da atividade mineral depende de autorização ou concessão da União;

(vi)               Apenas brasileiros ou empresas constituídas sob as leis brasileiras, que tenham sede e administração no país, podem ser titulares de direitos minerários;

(vii)             O minerador é proprietário do produto da lavra;

(viii)           A União tem o direito e o dever de exercer o Poder de Polícia: outorga, fiscalização e sanção;

(ix)               A mineração é atividade de utilidade pública (DL 3.365/41);

(x)                A União tem competência legislativa privativa para legislar sobre mineração;

(xi)               O proprietário do solo tem direito de receber participação no resultado da lavra;

(xii)             Há cobrança pela ocupação na fase de pesquisa, denominada Taxa Anual por Hectare;

(xiii)           Não há Taxa de Ocupação na fase de lavra. Entretanto, o minerador deve obedecer ao Plano de Aproveitamento Econômico aprovado;

(xiv)           A União tem direito a uma compensação financeira como proprietária das riquezas minerais, no percentual máximo de 3% do resultado líquido da atividade;

(xv)            O minerador que apresentar Requerimento de Pesquisa válido em área livre terá direito à obtenção da Autorização de Pesquisa. Concluída a pesquisa e apresentado Relatório Final de Pesquisa positivo, terá direito automático a requerer e obter a Concessão de Lavra. A exceção é a regra do artigo 42 do Código de Mineração: a Concessão de Lavra poderá ser recusada se a lavra for considerada prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial;

Esta é uma regra de exceção, que deve ser motivada, assim como a decisão administrativa que a aplicar, que também deve ser motivada.

(xvi)           A mineração deve ser exercida de forma ambientalmente sustentável.

Nada disso depende do novo Marco Regulatório, porque já existe no atual Regime.

 

  1.  Regime jurídico atual da mineração no Brasil

Atualmente, o Brasil adota um sistema misto de acesso à riqueza mineral. O Regime Jurídico atual da mineração tem a seguinte estrutura:

ü  Sistema de Prioridade;

ü  Sistema de Disponibilidade (licitação específica para Direitos Minerários);

ü  Reservas Nacionais de determinadas substâncias escolhidas pela União por serem estratégicas: áreas especiais onde os Direitos Minerários são outorgados mediante condições especiais “de conformidade com os interesses da União e da economia nacional”.

Portanto, o País já possui as ferramentas jurídicas necessárias para atuar estrategicamente em favor do interesse nacional. Faltam apenas: (i) alguns ajustes na legislação atual par melhorá-la a impedir a ação de especuladores e (ii) eficiência na gestão.

 

  1. O atual Regime Jurídico brasileiro comparado com o dos países mineradores

O Regime atual do Brasil é muito semelhante ao dos países mineradores, com exceção do prazo da concessão de lavra. (no Brasil o prazo da Concessão de Lavra é vinculado à exaustão da jazida, como o é também no Chile e na Argentina, por exemplo).

Em outros países, o prazo é determinado, variando de 20 anos até 70 anos, prorrogável.

 

  1. A proposta do PL 5.807/13 não segue a moderna tendência dos grandes países mineradores (Austrália, Canadá, Chile, por exemplo)

A proposta do novo Marco Regulatório é diferente do que se observa na legislação dos países mineradores tradicionais.

A maioria absoluta dos países tem o núcleo do Direito Minerário baseado no Regime de Prioridade.

 

  1. Há necessidade de mudar radicalmente o Regime Jurídico, como propõe o PL 5.807/13?

Não. A alteração radical é desnecessária e manterá a mineração brasileira paralisada por longo tempo. Há quem estime que a paralisação permanecerá por mais 10 anos, além dos dois anos de paralisação que já ocorreram em razão da suspensão das outorgas de Autorizações de Pesquisa e Concessões de Lavra pelo MME.

O PL 5.807/13: (i) não afasta os especuladores. Muito pelo contrário, traz todas as condições para atuação de grupos que fraudam as licitações como noticiado diariamente pelos jornais. (ii) não melhora a gestão pública. Primeiro, porque não se aperfeiçoa a gestão por simples comando legislativo. Segundo, porque sobrecarrega a ANM e dá à CPRM — segundo opinião dos melhores especialistas da mineração — missão impossível de cumprir.

 

  1. Premissas equivocadas da Exposição de Motivos do PL 5.807/2013

As premissas da Exposição de motivos estão equivocadas. Alguns exemplos:

(i)                  “As mudanças sugeridas são indispensáveis para o desenvolvimento contínuo, estável e sustentável dos investimentos e da produção”. Errado. As mudanças não são indispensáveis para o desenvolvimento da mineração. Ao contrário, espera-se perda de investimentos na mineração se o novo Regime for implantado conforme o PL 5.807/13.

(ii)                “As alterações institucionais e regulatórias resultam de amplas discussões que contaram com contribuições de diversos segmentos da sociedade, das entidades representativas do setor mineral…” Errado. É sentimento claro do setor que ele não foi ouvido. Os poucos encontros foram considerados mais como mera formalidade do que interesse efetivo de ouvir e receber contribuições do setor.

(iii)               “O Projeto de Lei institui novos dispositivos regulatórios para a concessão dos direitos minerais, cuja aplicação proporcionará um ambiente propício para o aumento dos investimentos…”. Errado. Não há nenhuma perspectiva de que a estrutura trazida pelo PL 5.807/13 crie condições favoráveis à atração de investimentos. Ao contrário, espera-se fuga de investidores e dificuldades enormes da Agência e da CPRM (que relevante serviço presta ao Brasil, mas que trabalha com orçamento inadequado e sequer conseguiu suprir o país com mapeamento de geologia básica até hoje) de cumprirem suas funções com eficiência.

(iv)              “Ainda, com o propósito de combater práticas especulativas…” Errado. Não há necessidade de alteração radical do Regime Jurídico para combater a especulação. Duas providências simples resolvem isso: (a) determinar que todas as áreas que o minerador perder (seja por não entrega de relatórios, renúncia ou caducidade) irão para licitação. Isso já é parcialmente aplicado atualmente e, portanto, basta aprimorar o texto conforme sugerido neste documento e (b) dar estrutura ao DNPM — física e de pessoal — para que ele possa exercer suas funções com qualidade, considerando a importância que esse órgão tem para o País.

Mas há necessidade de ir mais além. Esse regime de licitação por blocos, com possibilidade de regras serem feitas sob encomenda, pode criar um sistema de fraudes a licitações, propinas e comissões, como a imprensa noticia diariamente ocorrendo em outros setores. Portanto, essa premissa está completamente equivocada.

A Exposição de Motivos é inconsistente e só impressiona a quem não conhece um mínimo de Direito Minerário e da realidade da mineração brasileira.

 

  1. O regime de transição do PL 5.807/13 é inadequado e provocará enxurrada de demandas judiciais

Não bastassem os vários defeitos do PL 5.807/13, há outro grave que merece ser destacado: o regime de transição. Alguns exemplos:

(i)                  Empresas que já adquiriram o Direito de Prioridade para áreas relacionadas a projetos importantes, concebidos para um conjunto de áreas, correm o risco de perder parte desses Requerimentos de Pesquisa prioritários porque iriam para a Chamada Pública. Isso afetaria a concepção do projeto, uma vez que foi concebido para o conjunto de áreas.

(ii)                Empresas que já investiram milhões de dólares durante anos, e já apresentaram Requerimento de Lavra no regime atual, não aceitarão a perda da geração de valor em razão da tentativa de mudança do regime no curso do processo administrativo.

(iii)               Além da péssima estrutura do regime proposto, há excesso de matéria para regulamentação pela Agência. Até que todas as matérias sejam regulamentadas, o setor permanecerá paralisado. E o que o setor necessita é de regras estáveis e claras, ainda que rígidas. Não deixar ao arbítrio do conjunto de diretores da Agência, geralmente subservientes e comprometidos politicamente com aqueles que os indicaram para o cargo (e que garantirão outro cargo público para ele quando o mandato na ANM findar).

A mineração é um setor estratégico para o País. Por isso, suas regras devem ser codificadas pelo Poder Legislativo.

 

  1. Pontos específicos do PL 5.807/2013 que merecem maior atenção

Os pontos específicos do PL 5.807/2013 que merecem maior atenção são:

(i)                  Péssimo sistema de transição. O ideal é um artigo com a seguinte redação:

“Esta lei se aplica apenas a partir Requerimentos protocolizados após sua publicação.”

Com isso, a atividade do setor seguiria seu curso e daria tempo à ANM de regulamentar o novo Código e ir aprendendo com os Requerimentos novos que forem chegando pouco a pouco.

Qual a razão jurídica para os Requerimentos de Pesquisa já em curso permanecerem no regime legal vigente à época em que foram apresentados ao DNPM?

A resposta é simples, objetiva e deve ser estruturada a partir da natureza do processo administrativo-minerário, que é classificado como um processo administrativo de outorga; e a natureza do ato administrativo-minerário, que é classificado como um ato administrativo negocial.

Quando um minerador chega ao Brasil, analisando as oportunidades de investimento, pergunta: quais são as regras deste país? Após receber as explicações, diz se aceita investir aqui ou não.

Se aceita, providencia seu Requerimento de Pesquisa. O ponto culminante desse acordo entre minerador e a União é o protocolo do Requerimento de Pesquisa válido.

A partir do momento em que a prioridade for marcada, estará sacramentado o acordo entre a União e o Minerador, e esse Direito estará submetido às regras da legislação vigente no momento do protocolo do Requerimento no DNPM.

Outra possibilidade de redação é:

“Para os Requerimentos de Pesquisa, Autorizações de Pesquisa, Requerimentos de Lavra e Concessões de Lavra vigentes na data da publicação desta lei, ou ainda sujeitos a recurso administrativo ou judicial, fica preservado o regime do Decreto-Lei 229/67 quanto ao prazo de vigência e condições de prorrogação, e para a forma de aquisição, modificação ou extinção desses Direito”.

 

(ii)                Pequeno ajuste na legislação para afastar os especuladores.

Basta um artigo pequeno para acabar com a ação dos especuladores e com as filas na porta do DNPM de uma vez por todas, sem necessidade de alterar todo o sistema:

“Em qualquer hipótese de perda de Direito Minerário, tais como por renúncia, desistência, revogação, inadimplemento de obrigação ou caducidade de Requerimento ou Autorização de Pesquisa, Requerimento ou Autorização de Lavra, Requerimento ou Concessão de Lavra, Requerimento ou Permissão de Lavra Garimpeira, a área irá para licitação”.

Nota: há outras formas de afastar especuladores, como a adoção do conceito do dia do protocolo como momento jurídico. Nesse caso, quando houver dois ou mais requerimentos para a mesma área no mesmo dia, a área iria para licitação ou haveria outra forma de decidir qual é o prioritário. Esse sistema é adotado por vários países.

 

(iii)             Alterar o sistema de legislação conceitual do PL para o de codificação.

A mineração é uma atividade que tem como uma das principais características o grande vulto de investimentos com longo prazo de maturação e de retorno. Então, o investidor necessita de estabilidade e segurança com pouca margem de regulamentação e discricionariedade para a ANM.

Tudo isso sem abrir mão dos elementos estruturais constitucionais de garantia da União.

 

(iv)              Afastada a ação dos especuladores com a adoção da sugestão acima, pode-se manter a base da estrutura atual: (a) Sistema de Prioridade para a generalidade dos casos, em áreas livres; (b) licitação das áreas de Direitos Minerários que forem objeto de perda, desistência, renúncia, revogação ou caducidade; (c) Licitação de áreas estratégicas para a União e pesquisadas pela CPRM.

Fundamento: com esse sistema, não haverá ruptura abrupta com o Regime atual e o governo poderá atuar estrategicamente sem paralisar o setor.

 

(i)                  Alterar o regime de indenização em caso de revogação ou desapropriação de Direitos Minerários: a indenização deve ser ampla, computando todas as perdas, inclusive lucros cessantes.

A redação do parágrafo único do artigo 20 não pode se aplicar aos Direitos Minerários já em vigor na data da publicação da lei.

Mas, pior: gerará insegurança e afastará investidores.

 

(ii)                Adotar regime único de concessão para a pesquisa e lavra: esse sistema (já adotado no Peru) possibilita reduzir prazos e eliminar etapas do processo administrativo sem perda de segurança para o governo e para o empreendedor.

 

(iii)               Eliminar todas as hipóteses de discricionariedade da ANM, trocando-as por situações reguladas. Com isso, deverão ser excluídas as expressões do PL tais como: “Poderá”: Art. 8º caput; art. 8º, §3º; art. 13 e art. 17. “A critério”: Art. 12, §1º e at. 15, §2º.

 

(iv)              Fechar o conceito de “relevante interesse nacional” do art. 20. Da forma aberta como está, ficará fácil para o Governo prejudicar, perseguir, retaliar ou intervir em qualquer empresa, gerando insegurança.

 

(v)                Excluir os artigos 45, § 2º e o 8º, §3º. São absurdos jurídicos, completamente inconstitucionais por causar perda para o minerador sem indenização. Apenas trarão mais insegurança ao investidor:

 

(vi)              Se a mineração já é considerada de utilidade pública pelo DL 3.365/41, não há necessidade de a Servidão Administrativa ou desapropriação ficar ao critério do ministro (com todas as implicações negativas que isso pode ter). Basta outorgar ao concessionário a legitimidade para instaurar o procedimento judicial para constituir Servidão Mineral, Servidão Administrativa ou desapropriar.

 

Esse modelo pretendido, dependente de vontade do ministro, já foi tentado no Peru com péssimos resultados para a mineração. Os mineradores ficaram à mercê dos proprietários dos imóveis.

 

Belo Horizonte, 12 de agosto de 2013.

 

Luiz Ricardo Aranha                                      William Freire[1]

Presidente do IAMG                   Diretor do Departamentodo Direito das Minas e Energia

 

[1] WILLIAM FREIRE é advogado formado pela UFMG e Diretor do Departamento do Direito das Minas e Energia do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. É professor de Direito Minerário em vários cursos de pós-graduação. É autor de vários livros em Direito Minerário e Ambiental: Comentários ao Código de MineraçãoDireito Ambiental aplicado à MineraçãoCódigo de Mineração Anotado e Legislação Mineral e Ambiental em Vigor, A Natureza Jurídica do Consentimento para Pesquisa, do Consentimento para Lavra e do Manifesto de Mina no Direito Brasileiro, Gestão de Crises e Negociações Ambientais e Mining Law Dictionary, dentre outros.

É árbitro da Câmara Mineira de Mediação e Arbitragem – CAMINAS e da Câmara de Arbitragem Empresarial – BRASIL – CAMARB.